Uma exposição surpreendente num livro surpreendente. Porque esta segunda edição do livro AS RAÍZES MEDIEVAIS DA FILOSOFIA MODERNA apresenta na sua capa uma bela pintura de Raimundo Lúlio pregando a judeus; cristãos e muçulmanos? A pergunta faz sentido; pois no interior da obra o nome do famoso polígrafo catalão do século XIII aparece só uma vez; quando; ao insistir em que a Modernidade tem fortes raízes na filosofia e na cultura da Idade Média; ressalta como ponto principal a 'inteligibilidade do mundo'.
O professor Ghisalberti esclarece admiravelmente dois aspectos dessa inteligibilidade: a predisposição da mente humana para conhecer a realidade tal como ela é; sem alterar suas estruturas constitutivas; e a capacidade do homem para instituir um modelo de saber rigoroso; uma epistemologia forte; que construísse processos argumentativos; demonstrativos e conclusivos que alcançassem a plena evidência científica. Conclui-se assim; diz o professor; que a racionalidade da ciência moderna tem suas raízes na forte paixão pela verdade dos filósofos e cientistas medievais; na sua grande fé na lógica e na investigação metodologicamente correta no plano da pesquisa empírica. Basta lembrar o peso que tiveram; para os mestres da ciência do Renascimento e da revolução científica moderna; a scientia experimentalis de Rogério Bacon; o princípio de verificação empírica; ou navalha de Ockham; e a arte combinatória e a mnemotécnica de Raimundo Lúlio.
No último Congresso sobre a Inter-culturalidade que teve lugar em abril de 2011 na cidade de Palma de Maiorca; o professor Ghisalberti explicitou ainda mais este ponto. A paixão pela verdade tem uma instância universal e é patrimônio de todas as culturas; dai a fecundidade do diálogo entre elas. Com efeito; Lúlio não refutou globalmente as teses das doutrinas árabes e judaicas; e reconheceu em Avicena; Averróis e Maimônides o mérito de terem proposto um caminho de conciliação entre um pensamento profundamente não religioso como o de Aristóteles e uma visão teológica; como a muçulmana ou a hebraica; que tinham muitos pontos em comum com o cristianismo. Com Lúlio chegou-se a uma grande valorização da razão sem que isso representasse um obstáculo à concepção teológica.